Vamos conversar sobre o fim do Qualis

Antes de falarmos sobre as próximas mudanças do Qualis, vamos relembrar para que ele serve. Ele é um dos instrumentos criados para auxiliar na avaliação dos programas de pós pela CAPES, mais especificamente para a parte de produção intelectual. Por conta dessa característica, o Qualis sempre foi gerado a posteriori, ou seja, refletindo o último triênio ou, mais recentemente, último quadriênio avaliado.

É por isso que o Qualis que temos vigente hoje se refere ao período 2017-2020, ou seja, o último quadriênio avaliado.

Aqui entra o meu primeiro comentário: ainda teremos mais um Qualis saindo, porque ele se refere a avaliação 2021-2024, então não se assuste se em breve for divulgada uma lista nova. Lembre que ele é feito a posteriori e vai considerar as produções informadas na Plataforma Sucupira dos últimos quatro anos.

Então o que vai mudar?

O próximo período avaliativo, de 2025 a 2028, cujo resultado saberemos em 2029. Uma fonte segura me contou que esse movimento da Capes seria para se adequar ao cenário internacional e a alguns acordos do qual o Brasil é signatário, mas ainda não consegui mais informações ou dados formais sobre isso.

De qualquer forma, sem o Qualis os programas de pós vão precisar se ajustar internamente para seguirem tendo uma boa avaliação. A Capes ficou de divulgar os detalhes específicos para a avaliação da produção intelectual de cada área do conhecimento em março de 2025. Portanto, muita água ainda vai rolar.

O que temos por enquanto são informações mais gerais, que vou comentar a seguir e trazer algumas reflexões na sequência.

A Capes emitiu um ofício no dia 03 de outubro de 2024 com um resumo da reunião do Conselho Técnico Científico da Educação Superior, que além de outros assuntos, tinha como pauta as mudanças para o ciclo avaliativo 2025-2028, o que naturalmente inclui a avaliação dos artigos publicados. Busquei pela ata dessa reunião para entender melhor, mas ela ainda não está publicada.

Nesse documento, consta que algumas definições foram consensuadas pelas áreas de avaliação, ou seja, valeria para todo mundo. Entre elas, está a extinção Qualis e a adoção de uma nova sistemática chamada “classificação de artigos”, cujo objetivo é retirar o foco de onde o artigo é publicado (guarde essa informação).

Até agora, estão previstos três procedimentos para classificação dos artigos, os quais as áreas podem usar apenas um ou combiná-los. Transcrevo na íntegra abaixo:

I – Procedimento 1: Classificação do artigo pelos indicadores bibliométricos do periódico (metodologia estatística que preserva os preceitos da metodologia atual).

II – Procedimento 2: Classificação do artigo por indicadores bibliométricos diretos do artigo (índice de citação e altimetria, para a análise quantitativa) e classificação do artigo por critérios qualitativos do veículo (critérios de indexação, valorização de periódicos nacionais, acesso aberto, dentre outros, cujos fatores e metodologias serão divulgados pelas áreas de avaliação); e

III – Procedimento 3: Análise qualitativa de artigos, baseada em fatores e metodologias definidos pela área que podem abarcar uma análise de pertinência temática, avanço conceitual proveniente do trabalho, dentre outros).

Em uma matéria recente publicada pela revista Pesquisa FAPESP, o diretor de Avaliação da Capes relatou que os procedimentos 1 e 2 classificarão os artigos em oito níveis, enquanto no procedimento três eles receberão conceitos que vão de muito bom a insuficiente.

Bom, se desconsiderarmos o estrato C do Qualis atual, nos sobram exatamente oito indicadores: quatro A’s e quatro B’s. Não me parece que essa nova metodologia vai mudar muita coisa, além de talvez dar essa “nota” para o artigo ao invés do periódico. Mas ok, vamos esperar para ver como vai funcionar na prática.

Sobre o procedimento 1 que preserva a metodologia atual do Qualis, estamos falando de índices bibliométricos como o CiteScore, o Fator de Impacto e o h5.

Muita gente não sabe, mas para um periódico obter o primeiro ele precisa estar indexado na Scopus e o segundo, estar indexado na Web of Science. Ambas são bases comerciais, de difícil ingresso pelas revistas nacionais e que listam periódicos que muitas vezes cobram taxas de publicação para que você consiga publicar o artigo.

A título de curiosidade, dados de 2023 da Scopus mostram que a base tinha 13.819 periódicos provenientes da Europa, 6.968 da América do Norte e apenas 944 da América Central e do Sul. Essa cobertura não se deve ao fato de nossas revistas serem ruins, mais sim aos critérios de inclusão da base. Posso falar mais sobre isso outro dia para vocês, se tiverem interesse.

Além disso, usar essas métricas reacende um debate antigo da comunidade científica, onde se paga para publicar e depois se compra o acesso às base de dados de novo onde esse artigo foi publicado. Quando a metodologia do Qualis atual foi divulgada algum tempo atrás, lembro que muita gente bateu nessa tecla.

Mas seguindo, temos aqui o h5 que é gerado pelo Google Acadêmico e é uma boa alternativa, aberto, acessível e etc. No entanto, volta e meia ele dá uns problemas também o que impacta na contagem de citações.

Vou contar um que aconteceu comigo recentemente: a referência do meu TCC da graduação foi usada como modelo para um template de uma universidade. O Google contou como uma citação, mesmo não sendo. Erros como esse podem inflar ou diminuir a contagem de citações. Não há nenhum controle de qualidade ou filtro nos dados que passam pelo robô deles e isso também tem sido objeto de discussão pela comunidade técnica que trabalha com editoração de periódicos.

Mas para fechar os comentários sobre esse procedimento, recupero o que está no ofício da Capes que diz que o objetivo é retirar o foco de onde o artigo é publicado. Focar em índices de citação do periódico não me parece seguir essa linha, mas ok, podemos ver os outros procedimentos.

Em relação ao procedimento 2, quando falamos de índice de citação geralmente isso acaba impactando o periódico em si, pois se estamos considerando o fator de impacto, por exemplo, isso se refere ao periódico e não ao artigo. Portanto, estou bastante curiosa para ver qual será a proposta metodológica para atender a esse procedimento. A parte da altimetria é bastante bacana, porque considera a circulação do artigo em espaços não tradicionais. Temos ferramentas para medir isso individualmente, mas não sei como faríamos para agrupar essas métricas para avaliação individual de um caminhão de artigos publicados.

Aqui ainda me chama atenção a parte de “critérios qualitativos do veículo”. Ué, o objetivo não era retirar o foco de onde o artigo é publicado? Se estamos falando de critérios de indexação, novamente abre brechas para a escolha de bases de dados que não necessariamente são acessíveis para que os periódicos sejam incluídas nelas. Entretanto, a depender dos critérios que forem considerados aqui, pode ser um bom filtro para combater as publicações em periódicos predatórios, o que a meu ver pode ser bem interessante.

Por fim, chegamos ao procedimento 3, que levanta a questão de como teremos braço para fazer uma avaliação qualitativa desse tipo. Na minha tese trabalhei com 352 periódicos brasileiros da área de Educação, e fazendo uma conta rápida em papel de pão considerando que cada um deles publica pelo menos uns 20 artigos por ano, só aqui a gente teria uns 7 mil textos para serem avaliados – isso sem contar os periódicos internacionais. Meu palpite é que os PPGs precisão indicar algumas produções consideradas de excelência para serem avaliadas.

Para fechar, quero deixar claro que não sou contra bases de dados, mudanças de metodologias de avaliação e muito menos que o foco fique nos artigos. Apenas trouxe alguns pensamentos de quem está nos dois lados: alguém que pesquisa e publica artigos e ao mesmo tempo que trabalha há anos com periódicos científicos e editoração.

No final das contas, como falei no começo, muita água ainda vai rolar e pode ser que as reflexões e comentários que eu trouxe aqui sejam resolvidos e elucidados quando a Capes divulgar os novos parâmetros em março do ano que vem.

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